PATRIMÔNIO CULTURAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

(Foto: Folia de Reis em Muqui-ES | Fonte: SECULT/ES)

1. INTRODUÇÃO

A idéia de patrimônio em nossa sociedade estava ligada, inicialmente, a bens materiais (e imateriais, como direitos autorais sobre obras musicais e literárias) acumulados e transmitidos de geração a geração, de pais para filhos, como fruto do trabalho daqueles, transmitidos aos filhos como herança. A estes caberia, por sua vez, cuidar do patrimônio herdado, para transmiti-lo a seus herdeiros, assegurando-lhes, sempre que possível, melhores condições de vida. Assim, a idéia de patrimônio e herança estiveram, desde o início, associadas.

A preocupação do homem com a proteção, valorização e defesa dos bens por ele produzidos, criados ou agenciados – materiais e imateriais – culturais, históricos, artísticos, científicos, arqueológicos e paisagísticos, galgou a noção de patrimônio, num patamar mais elevado, que vai além da idéia inicial de bens pertencentes a uma família, chegando ao atual estágio, onde a proteção, valorização e defesa desses bens são de interesse e responsabilidade comum a toda a coletividade. Assim, a responsabilidade por esses bens é tanto dos eventuais proprietários privados, como de toda a coletividade e do Poder Público visando sua proteção, em prol da própria coletividade, face à relevância cultural dessa ação de proteção.

No contexto ambiental, Rodolfo de Camargo Mancuso, assevera que meio ambiente “não se resume ao aspecto naturalístico (= biota) antes referido, senão que comporta uma conotação abrangente, ‘holística’, compreensiva de tudo o que cerca (e condiciona) o homem em sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e na interação com o ecossistema que o cerca”. 1

E o como a proteção, valorização e difusão do patrimônio cultural se inserem na temática da proteção e defesa do meio ambiente? Como esses temas se inter-relacionam?

2. DEFINIÇÕES DE PATRIMÔNIO CULTURAL E MEIO AMBIENTE ADOTADAS POR DIPLOMAS LEGAIS A NÍVEL INTERNO E INTERNACIONAL

Para responder a essas questões e enfrentar os desafios de inserir a discussão sobre a proteção, valorização e defesa do patrimônio cultural no âmbito das discussões de questões ambientais, notadamente no que tange ao licenciamento ambiental de empreendimento ou atividades causadores de significativo impacto ambiental, devemos recorrer às definições legais de patrimônio cultural e de meio ambiente, buscando marcar seus campos de correlação e interação. Neste sentido, uma das linhas de atuação de grande importância que a ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, colocou em prática, foi a da transversalidade da temática ambiental, com temas como a agricultura, educação, e outras áreas, e in casu com a cultura e a diversidade de manifestações culturais de nosso país.

a) Patrimônio Cultural

De acordo com o art. 216 da Constituição Federal: “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas…”.

O constitucionalista José Afonso da Silva destaca que “modernizam-se e ampliam-se, portanto, os meios de atuação do Poder Público na tutela do patrimônio cultural. Sai-se também do limite estreito da terminologia tradicional, para utilizarem-se técnicas mais adequadas, ao falar-se em patrimônio cultual, em vez de patrimônio histórico, artístico e paisagístico, pois há outros valores culturais que não se subsumem nessa terminologia antiga”. 2

De se registrar que o primeiro bem imaterial tombado no país pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional foi a ‘panela de barro capixaba’ pela forma tradicional como é feita, há mais de cem anos, passando de geração a geração e por constituir-se em um elemento cultural importante da identidade cultural do Estado do Espírito Santo e de nosso país.

Da mesma forma que a panela de barro, as manifestações tradicionais do folclore capixaba, como o Congo, o Jongo, a Folia de Reis, o Reis de Bois, o Ticumbi, dentre outras, são parte integrante não apenas do patrimônio cultural do Espírito Santo como de todo o país e, por este motivo, devem ser objeto de ações por parte do Poder Público para a sua preservação e valorização, aí incluído o apoio necessário para sua manutenção, bem como para difusão dessas manifestações junto à coletividade. É o preconiza o art. 215 da Constituição quando estabelece que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

A importância dessas manifestações é registrada pelo saudoso “Mestre Harmojo”, folclorista Hermógenes Lima Fonseca, quando destacou “o expontaneísmo de suas criações é a característica principal quando se observa com acuidade a música que cantam, a coreografia e a letra dos cantos. É o teatro do povo no ambiente em que vive, a céu aberto, nas ruas ou em suas casinhas apertadas para se divertirem e ao povinho que assistem prestigiando e valorizando esses numerosos grupos existentes por todos os cantos do Espírito Santo”. 3

Beatriz Abaurre também destaca sobre esse tema, que “as festas, folguedos ou brincadeiras que o povo inventa, têm uma significativa importância para a vida social, pois é exatamente através dessas manifestações que a comunidade integra-se e se reconhece, evitando a desagregação e a desterritorialização bem   conhecidas  em  locais  onde  não  ocorre  a  prática  desses  valores tão representativos da diversidade sócio-cultural de nosso povo”. 4

Como complementação ao direito previsto no art. 215 está outro que foi inserido no art. 216 § 3° segundo o qual “a lei estabelecerá inventivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”, papel que tem sido cumprido a nível federal pela chamada Lei Ruanet e outros mecanismos, bem como por outros instrumentos de incentivo, como os editais de apoio aos grupos folclóricos que integram o patrimônio cultural de nosso país.

Por sua vez a Emenda Constitucional n° 48, de 2005 contemplou tal direito, ao incluir no referido art. 215, o § 3°, segundo o qual deve ser estabelecido mediante lei, pela União, “o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais;  III – formação  de  pessoal  qualificado  para  a  gestão  da  cultura  em  suas  múltiplas dimensões;  IV – democratização do acesso aos bens de cultura”. Assim, este é um direito cultural – constitucional – que deverá ser assegurado a todos: a “democratização do acesso aos bens culturais” e esse direito deve  ser assegurado,  no caso  do  patrimônio cultural formado pelos grupos culturais que integram o folclore, mediante o desenvolvimento de ações já mencionadas de valorização e difusão desses grupos.

Outro aspecto importante dos direitos culturais, segundo definição adotada pela Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultura da UNESCO em seu artigo 5°, embora ainda não esteja completamente definida a forma de assegurar sua validade universal – isto é, a validade universal desses direitos –  e a instância internacional que deveria se ocupar do tema, bem como o modo pelo qual esses direitos podem se transformar em instrumentos de garantia da Diversidade Cultural; é que esses direitos culturais estão se consolidando como parte integrante e indissociável  dos direitos humanos.

A definição do artigo 5° é a seguinte: “Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais”. Ou seja, devemos considerar os direitos culturais de nosso povo – aí incluídos os  direitos inerentes aos grupos que integram o patrimônio cultural brasileiro – como direito humano fundamental, com todas as garantias que são inerentes aos detentores desses direitos.

O artigo 2 da DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL, que trata da “diversidade cultural ao pluralismo cultural”, tem um caráter principiológico ao afirmar que “em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Definido desta maneira, o pluralismo cultural constitui a resposta política à realidade da diversidade cultural. Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo cultural é propício aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública”. Se pensarmos esses “princípios” a nível interno, veremos que a interação harmoniosa entre grupos com identidades culturais plurais, variadas e dinâmicas tem ocorrido entre as culturas indígenas, afros e européias, onde os intercâmbios contribuem para o desenvolvimento da capacidade criadora de nosso povo.

Entre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – DESC reconhecidos pelos Estados Partes que firmaram o Pacto estão o de que “cada indivíduo tem o direito de participar da vida cultural”; e o de “desfrutar o progresso científico e suas aplicações”. As obrigações dos governos abrangem “medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão aquelas necessárias à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura”. E afirma também que “os Estados-partes no presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura”.

Entre os deveres que o Poder Público deve assumir, está o fixado no § 1° do art. 215 já citado, segundo o qual “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, ou seja, para o Estado, essa proteção é um dever; para as manifestações, um direito cultural. Além dessa obrigação, também se insere entre os deveres do Poder Público, o previsto no art. 221 no sentido de estabelecer por lei mecanismos para que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão” atenda “aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística”.
Assim, não apenas nas emissoras de TV que são públicas – como as TVs Educativas – como as de ordem privada, porém todas elas com caráter de concessionárias públicas deveriam estar obrigadas, por lei, a incluir em suas programações a produção cultural e artística regional ou nacional.

É o que defendia, Ferreira Gullar, mais de duas décadas antes da nova ordem constitucional, “quando se fala em cultura popular acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo, não-popular, e outra que se volta para ele”. 5

Esses são em linhas gerais, os aspectos culturais dos direitos que devem nortear as propostas de ação, para a valorização e a difusão dos grupos e manifestações folclóricos em todos os estados da Federação, não somente junto aos órgãos culturais, como também aos órgãos ambientais, notadamente quando da discussão dos processos de licenciamento de atividades que possam provocar impactos ambientais significativos sobre esses grupos e manifestações. Para isto, vamos analisar mais detidamente a inter-relação entre patrimônio cultural e meio ambiente.

b) Os Resultados da VIII Conferência Ibero-americana de Cultura

Na VIII Conferência Ibero-americana de Cultura realizada em Córdoba, na Espanha, em junho 2005, ministros da cultura que participaram do evento elaboraram a Declaração de Córdoba onde reconhecem o rico e diversificado patrimônio cultural dos países participantes afirmando sua convicção “de que o desenvolvimento cultural dos nossos países requer um aprofundamento dos valores democráticos e do exercício pleno, por parte dos cidadãos, dos direitos internacionalmente reconhecidos e contemplados nos nossos respectivos regimes jurídicos”.

Nela reiteram compromissos assumidos pela Declaração de São José da Costa Rica de 2004, como: “promover e proteger a diversidade cultural que está na base da Comunidade Ibero-Americana das Nações”, e a procurar “novos mecanismos de cooperação cultural ibero-americana, que fortaleçam as identidades e a riqueza da nossa diversidade cultural e que promovam o diálogo intercultural”, bem como para “estabelecer um instrumento inovador de cooperação cultural ibero-americana, apoiado nos princípios do reconhecimento, proteção e pleno exercício dos direitos culturais; do universalismo, da solidariedade, abertura e equidade; da transversalidade da cultura; da especificidade das atividades, dos bens e dos serviços culturais; do direito e da responsabilidade dos Estados para conceber e aplicar políticas culturais que protejam e promovam a diversidade e o patrimônio culturais; e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável, para a coesão e inclusão social”.

Para consolidar o espaço cultural ibero-americano, conforme a Carta de Córdoba os países devem promover a consecução, entre outros, dos seguintes fins:

– Afirmar o valor central da cultura como base indispensável para o desenvolvimento integral do ser humano;
– Impulsionar um desenvolvimento cultural integrador que contribua para superar a pobreza e a desigualdade;
– Promover  e  proteger   as  identidades  culturais   ibero-americanas   e  as  diversas  línguas;
– Estimular o diálogo intercultural entre a Ibero – América e as outras culturas do planeta; 
– Fomentar a proteção e difusão do patrimônio cultural e natural, material e imaterial, ibero-americano;
– Reconhecer a riqueza da contribuição dos migrantes para a interculturalidade dos nossos países;
– Facilitar acordos de co-produção e de co-distribuição de atividades, bens e serviços culturais entre os nossos países, nomeadamente no âmbito audiovisual, culturas e tradições que as constituem e enriquecem, bem como as suas capacidades criativas;
– Promover o respeito, a proteção e a manutenção dos conhecimentos, das inovações e das práticas das comunidades tradicionais, indígenas e afro descendentes, bem como a distribuição equitativa dos benefícios da sua utilização;

c) Meio Ambiente.

A relação entre patrimônio cultural e meio ambiente se dá notadamente, quando entendemos o meio ambiente com a inclusão das manifestações sociais, nela integradas decerto as culturais, que são direta ou indiretamente influenciadas pelo chamado “desenvolvimento”, em especial quanto aos desdobramentos dos processos de implantação ou ampliação de atividades ou empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental.

O conceito de meio ambiente adotado pela Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente – art. 3º – é amplo e considera o meio ambiente como: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Inciso I)”. Considera como degradação da qualidade ambiental: “a alteração adversa das características do meio ambiente (inciso II)”; e poluição: “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;  b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;  c) afetem desfavoravelmente a biota;  d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.  Assim, qualquer atividade que de alguma forma, direta ou indiretamente, possa criar condições adversas às atividades sociais, está provocando uma das formas poluição previstas na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

Um exemplo claro dessa modalidade de poluição é a que as extensas plantações de eucalipto da empresa Aracruz Celulose provocam sobre as comunidades quilombolas na Região denominada de Sapê do Norte, que abrange territórios dos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Espírito Santo, incluindo é claro as manifestações culturais do folclore na Região, como o Ticumbi e o Reis de Bois, o que tem sido estudado e divulgado por diversos historiadores e pesquisadores, dentre eles o jornalista Rogério Medeiros, que há algumas décadas acompanha os impactos dos plantios sobre essas manifestações culturais de nosso Estado.

Uma diretriz fundamental para a inserção das manifestações culturais, no que tange à análise e avaliação dos efeitos dos impactos ambientais das atividades e empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental está na Resolução 01/86 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente que além de determinar em seu art. 5º. que os estudos ambientas dessas atividades e empreendimentos devem “identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade” (Inciso II), dentro de uma ótica de definição dos impactos direitos e indiretos definidos no âmbito de uma “área geográfica” (com o aval do órgão licenciador), esses estudos devem contemplar (art. 6º.):

I – Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, com a completa descrição e análise dos fatores e parâmetros a serem considerados recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

a) o meio físico – o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais – a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. (grifo do autor)

II – Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

III – Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.

lV – Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores.

Portanto, as atividades e empreendimentos cuja implantação ou ampliação possam, de alguma forma, provocar direta ou indiretamente impactos negativos – como o caso citados das plantações de eucalipto da Aracruz Celulose – sobre comunidades onde há monumentos e sítios históricos e culturais, incluindo por certo, manifestações integrantes do patrimônio cultural como o Ticumbi, o Reis de Bois, dentre outras de grande tradição no Espírito Santo e no país, estão obrigadas incluir nos estudos ambientais relativos aos licenciamentos, a avaliação dos impactos que a instalação ou ampliação poderá provocar nessas comunidades e nos grupos culturais nelas existentes. E essa avaliação deve se dar antes, durante e após cada etapa do licenciamento, ou seja: antes da instalação (licença prévia), durante a instalação (licença de instalação), e na fase de operação da atividade ou empreendimento implantado ou ampliado (licença de operação); para que sejam identificadas as modalidades de impactos sofridas pelas comunidades e os grupos culturais tradicionais, e adotadas as medidas mitigadoras e compensatórias provocadas por esses impactos.

O jurista Edis Milaré defende que “sob a denominação de ‘Patrimônio Cultural’, a atual Constituição abraçou os mais modernos conceitos científicos sobre a matéria. Assim, o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal, incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos técnicos), considerados individualmente e em conjunto; não se trata somente daqueles eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de referência á identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira. 6

Já Álvaro Luiz Valery Mirra destaca o tema dos grupos tradicionais: “no tocante ao patrimônio cultural, aliás, abrangido na definição genérica de meio ambiente, é importante ressaltar uma especificidade que freqüentemente tem sido esquecida pelos autores. A defesa do meio ambiente cultural implica não só a preservação do meio físico (os monumentos de valor artístico, histórico ou paisagístico), como também da memória social e antropológica do homem, isto é, das formas de expressão e dos modos de criar, fazer e viver das denominadas ‘comunidades tradicionais’ (grupos formadores da sociedade brasileira ou participantes do processo civilizatório nacional, como os indígenas, os caiçaras, os caboclos, etc.) – arts. 216 e 231” 7

E Belize Câmara Correia complementa essa posição quando afirma “em que pese ser artificial, isto é, produzido pela energia criativa do homem, o meio ambiente cultural vai mais além, pois agrega valores que refletem características peculiares a uma dada sociedade, constituindo, por assim dizer, retrato vivo de  sua história e, consequentemente, espelho de sua própria identidade”. 8

Dentro deste contexto, atuando como representante da Comissão Espírito-santense de Folclore no Conselho Estadual de Meio Ambiente, foi acatada pelo plenário do colegiado, proposta de condicionante,  incluída na  Licença de Instalação  No. 150/08,  expedida pelo  IEMA – Instituto Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo para o Sistema de Escoamento e Tratamento de Gás Sul Capixaba, da Petrobrás – Petróleo Brasileira S/A, no município de Anchieta. A condicionante No. 01 estabelece que a empresa deverá  “apresentar proposta de avaliação de impactos nas fases de instalação e operação do empreendimento nos grupos tradicionais da área de influência direta, bem como de incentivo aos mesmos” (que é constituída pelos municípios de Anchieta, Piúma e Guarapari).

Desta forma, atuando em nome da Comissão Espírito-santense de Folclores, dentro de uma ótica de transversalidade e inter-relação dos temas ambientais e culturais, foram assegurados aos grupos culturais tradicionais das áreas de influência direta do empreendimento da Petrobrás, os direitos ambientais e culturais analisados neste trabalho. Ou seja, o direito ambiental de serem estudados os impactos que o empreendimento vier a provocar sobre as manifestações culturais desses grupos, a fim de mitigá-los ou compensá-los, conforme o caso e; os direitos culturais deles serem apoiados pelo empreendedor, como forma e valorização desses grupos, que são parte integrante do patrimônio cultural do Estado do Espírito Santo e do pais, e como tal indissociáveis também do patrimônio ambiental destes entes da Federativos.

Com essa abordagem buscou-se delinear algumas diretrizes de atuação da representação da Comissão de Folclore – em nome de todas as manifestações culturais tradicionais do Estado do Espírito Santo – no CONSEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente, em processos de licenciamento de atividades ou empreendimentos potencial ou efetivamente causadores e significativos impactos ambientais. E foram essas diretrizes que nortearam a atuação no processo de licenciamento do Terminal de Gás da Petrobrás em Anchieta, uma planta industrial que será matriz para fornecimento de gás para indústrias que têm previsão de se instalarem no município, com a perspectiva de transformar a Região, a médio prazo em um pólo industrial semelhante ao de minério de ferro e de aço existente na Grande Vitória. E, não é difícil perceber que um desenvolvimento com esta magnitude, pode provocar impactos sociais e ambientais significativos, devendo o processo de licenciamento, desde o início incorporar as variáveis de avaliação desses impactos sobre as manifestação e os grupos culturais – integrantes de nosso folclore – para que sejam devidamente mitigados, além da previsão de medidas compensatórias e de apoio à sua proteção, valorização e difusão.

Assim, em processos semelhantes tanto em nosso Estado, como em outros estados da Federação e mesmo nos licenciamentos a nível nacional feitos pelo IBAMA, devemos sempre colocar em pauta a necessidade de avaliação dos impactos ambientais das atividades e empreendimentos, potenciais ou efetivamente causadores desses impactos sobre as comunidades e grupos culturais tradicionais, tendo como premissas:

3 – Conclusões

3.1 Os direitos culturais são direitos assegurados tanto internamente – por normas constitucionais, como visto – como internacionalmente – por instrumentos como o DESC – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (e também ambientais), que são partes integrantes e indissociáveis dos Direitos Humanos;

3.2  O Poder Público (União, Estados e Municípios), tem o dever  – por força dessas normas constitucionais e internacionais (ratificadas pelo Brasil), de atuar no sentido de desenvolver ações de preservação, valorização, apoio e difusão das manifestações culturais, notadamente as que integrante do patrimônio cultural nacional e estadual;

3.3  Nos processos de licenciamento de atividades e empreendimentos, potenciais ou efetivamente causadores de significativos impactos ambientais sobre as comunidades e grupos culturais tradicionais, os órgãos licenciadores devem exigir que os estudos de impacto ambiental incorporem a avaliação desses impactos, para a adoção de medidas mitigadoras e compensatórias, bem como ações e medidas de apoio e difusão dessas manifestações culturais.


Referências Bibliográficas:

1 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 7a. Ed. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 37

2 José AFONSO DA SILVA, José,  Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª. Ed., Malheiros, 1998 – p. 806

3 FONSECA, Hermógenes Lima, Tradições Populares no Espírito Santo, 1991 – Governo do Estado do Espírito Santo.

4 ABAURRE, Beatriz, Tombamento e Preservação de Bens Culturais, Instituo Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 2005 – p. 15

5 GULLAR, Ferreira, Cultura Posta em Questão, Ed. Civilização Brasileira, 1965, p. 1

6 MILARÉ, Edis, Direito Ambiental, doutrina – prática – jurisprudência ´glossário 1.a Ed. – 2000, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. p. 184

7 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. “Fundamentos do direito ambiental no Brasil”. Revista Trimestral de Direito Público 7/79-1994, p.180.

8 Belize Câmara, A Tutela Judicial do Meio Ambiente Cultural, Revista de Direito Ambiental, Vol. 34, Ed. Revista dos Tribunais, abril-junho/2004, p. 43



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Publicado por Alessandro Chakal

Geógrafo formado pela UFES (Espírito Santo - Brasil); Analista Ambiental e Paisagístico; Analista de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (SIG/GIS); foi assessor sênior da Frente Parlamentar Ambientalista do ES (ALES); ex-Conselheiro Estadual de Cultura, na câmara de patrimônio ecológico, natural e paisagístico; Produtor Cultural e Músico (vocalista da banda The Windows - Tributo ao The Doors desde 1994), e responsável pela Agência TURISMO-GEOGRÁFICO: Expedições e Excursões - para o Festival de Jazz & Blues de Rio das Ostras (RJ), e para o Pico da Bandeira e travessia da Cordilheira do Caparaó (ES-MG).

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