Nada de novo no front. Realmente, o projeto desse desgoverno é fazer de conta que não têm projetos. Podem não ter para o movimento cultural organizado e consciente no seu papel de construção de significados e transformação social. Os governos de direita são os que mais investem e se preocupam com a arte e com a cultura, porque eles sabem que é por aí que se engrandece ou debilita uma população.
A direita trabalha com a segunda alternativa, mas é sutil e faz as pessoas terem a ilusão de que são autônomas, que acreditem que o jeito de falar, vestir, andar e brincar de ser livre, “ser foda”, “arrasar”, “pocar a boca do balão” são meros resultados de uma decisão pessoal. De vez em quando alguém diz: “seja você mesmo”. Óbvio que até parece um paradoxo. Por um lado, implanta o espírito de vira-latas que faz com que essas pessoas se submetam a qualquer coisa como se estivessem predestinadas a “fazer o serviço sujo” (vender sua força de trabalho como mercadoria) e servir para ter um mínimo para sobreviver. Por outro, lhes vende um sabonete cuja espuma faz o sujeito asfixiado de si mesmo acreditar no mote da autoestima: seja você mesmo. Se tirar os acessórios o “você mesmo” é uma sacola de plástico vazia.
Evidente que o exemplo do você mesmo é só uma referência ao que muitos dizem, porque não existe “você mesmo”, mesmo que você mesmo acredite nisso, porque você não existe sem a alteridade. Quase um paradoxo porque, na verdade essas atitudes se complementam, ou seja, na medida em que um sujeito acredita que toda a oportunidade que lhe deram é proporcionalmente relativa à sua capacidade máxima de atuação no mundo, para que não seja tão doloroso aceitar essa condição, ele precisa “amar” isso que faz.
O problema é que essa autoestima também produz imbecis apaixonados por suas imbecilidades, idiotas orgulhosos por serem idiotas, burros apaixonados pelas carroças e pelos chicotes de seus amos. E o pior, um desgraçado que sofre de autoestima jamais perceberá a necessidade de crescer, de aprender e entender e respeitar a coletividade. No máximo entende por coletivo a pequena tribo que o apoia. Mas o que isso tem a ver com a cultura que era o tema inicial? A cultura é aquilo que se cultua, que se cultiva, o que se faz culto. Como vivemos numa sociedade dividida em classes, uma que domina e outra que é dominada, a cultura predominante é a cultura do dominante que quer estratificar esse tipo de relação para continuar dominando.
Daí surge a arte, praticamente como fruto das contradições da cultura não dá conta para satisfazer os anseios dos humanos. A arte está aí para colocar a cultura em xeque para que ela pergunte a si mesma sobre o que cultua. Por isso os governantes adoram falar em cultura e fazem de tudo que ela seja confundida com a arte. Porque toda arte é contracultura, toda arte é aquilo que incomoda aos que pensam e querem um mundo pronto e acabado. Mas como pensar num mundo pronto e acabado? Se existe tanta crueldade, injustiça, violência e depredação da vida, como pode o mundo estar pronto? Ele precisa ser transformado.
Assim, não dá para crer que o artista esteja acima do bem e do mal, pois toda arte é política e necessita de compromisso com o outro porque ela só existe na relação. Tanto o governo quanto a imprensa e, pasmem, até muitos artistas falam de “classe artística”. Isso me parece um absurdo. No nosso sistema, só existem duas classes, a dominante e dominada, leia-se, opressora e oprimida. E há artistas a serviço de ambas as classes.
E, por incrível que pareça, a maioria dos artistas serve à classe dominante, por ser mais cômodo, porque ela paga melhor e porque tem maior demanda. A arte é um fenômeno que se realiza entre uma obra que está sendo vista e aquele que o vê. O problema é que a maioria dos artistas não têm consciência de classe. Nem sabem o que é isso, inclusive, por desconhecer o significado de classes fala em classe artística como se não fizesse parte do mundo. Regina Duarte também é assim. E a direita adora que os artistas se achem a própria classe de si mesmos, porque assim não percebem que estão transmitindo a ideologia burguesa do entretenimento, sem doer.

Wilson Coêlho
Dramaturgo, Teatrólogo e Poeta
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