Sinto muito decepcioná-los, mas não vejo outra forma de fazer alguma coisa no Brasil senão através da polarização, melhor, radicalização. Não tem nada a ver com extremismo, radicalizar no sentido de tomar as coisas pela raiz. Por que só é proibido ser radical pela esquerda e nunca pela direita? Ninguém mais radical do que a burguesia que leva a ferro e fogo a defesa de seu poder sobre os meios e os modos de produção e, óbvio, o seu capital, enquanto a classe explorada, a força de trabalho transformada em mercadoria que a todo momento é humilhada e pisoteada tem que fazer jogo de cintura para não contrariar os opressores.
Até me arrepio quando ouço falar em esquerda progressista, me lembro o lema “Ordem e Progresso” do positivismo comtista. Esquerda progressista não passa de um eufemismo para a socialdemocracia que é o tumor por onde nasce o grande câncer do neoliberalismo.
A socialdemocracia pode até parecer interessante, mas apenas para aquele setor da classe média que já tem um padrão de vida mais ou menos e acredita que um dia ainda vai ser rica. Mas para os operários, os trabalhadores do campo, os pequenos comerciantes, os desempregados, o lumpenzinato e a grande maioria da população é uma tragédia.
“O lúmpen é avesso a qualquer projeto de longo prazo, não é classe, não é coletivo. Atualmente, sua principal representação é o próprio presidente da República: nunca representou um setor social específico, mas surfou em ondas de insatisfação difusas. E agora quer ‘descontruir’ o país”
Le Monde diplomatique
A desgraça do Brasil é que ao longo de sua história vigorou o consenso, onde as vítimas fazem acordo com os carrascos, os colonizados com os colonizadores, os escravos com os senhores. Também entendo como se mantém até hoje esse preconceito contra o PT, mas poucos sabem como ele foi construído, pois vivemos num país sem memória e os meios de comunicação como porta-vozes da burguesia através de seus patrocinadores cumprem seu papel de escamotear a realidade. Até hoje muita gente acredita na história da “mamadeira de piroca”, mas pouquíssimos sabem da mamadeira que os alimentou durante – não só nos governos do PT, mas desde até um pouco antes do final da ditadura militar.
Essa mamadeira se chama “Orvil”, livro de trás para frente, conhecido também como “Livro Negro do Terrorismo no Brasil”, escrito em segredo pelo Centro de Informações do Exército (CIE) e organizado pelo General Leônidas Pires Gonçalves. O “Orvil” surge com a pretensão de responder ao livro “Brasil: Nunca Mais”, projeto audacioso de denúncia que chamou a atenção do mundo contra a tortura e a violência praticada pelo regime militar no Brasil, organizado pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns e pelo reverendo presbiteriano Jaime Wright.


No caso do “Orvil”, o objetivo do Exército era mostrar o seu “outro lado” e organizou o livro a partir de boletins forjados do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e sob o prisma dos torturadores e dos fascistas de plantão dessa época. É mais ou menos como contar a história do safari a partir dos caçadores sem levar em conta os elefantes, os leões e todos os animais assassinados.

Foto 2 – Prédio do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna DOI-CODI em São Paulo;
Foto 3 – Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi de São Paulo durante a ditadura militar.
Sou fundador do partido, mas não sou nenhum fanático e são poucas pessoas que têm tantas críticas quanto eu tenho do PT porque ele errou muito feio. Primeiro, eu acredito que, em 1989, o PT deveria ter aberto mão da candidatura à presidência do Brasil e ter apoiado Leonel Brizola. Assim, o Lula poderia ser o ministro do trabalho e o partido fortalecendo com as bases sindicais e o MST para dar sustentação ao governo e em momentos estratégicos fazer pressão para se avançar nos projetos sociais mais atrevidos e rumo ao socialismo. Acredito que o PT deveria ter aposentado ou afastado ou colocado no paredão esse bando de canalhas do antigo SNI que minaram todo o seu governo.
O PT deveria ter desprivatizado a CVRD e tantas outras empresas que o governo neoliberal entregou praticamente de graça ao capital estrangeiro, aliás, essa tal privatização não passa de um papo para boi dormir. Trata-se de uma grande mentira e o termo correto para se usar seria desnacionalização, porque foram compradas por estatais estrangeiras, ou seja, o discurso de estado mínimo não vale para os países desenvolvidos que fazem de tudo para fortalecer o estado e proteger suas empresas.

Quem me dera que o país fosse realmente polarizado porque isso implicaria uma participação do povo, mas como dizia o Lima Barreto, “o Brasil não tem povo, tem público”. O povo tem se comportado como um bando de alienados assistindo a uma briga de rinha. Um critica a crista do galo, outro fala mal da espora ou da pena da asa, mas sempre de fora e suas ações no cotidiano em nada contribuem para alterar o sistema ou sequer colocá-lo em questão.
Outro tema que me incomoda é essa tal “Mea Culpa” que se cobra do PT. Gostaria até de ter a oportunidade de responder a isso, desde que fosse explícito e pontual o que isso significa. Em que momento, em que condições, onde e quando. Óbvio que não vou responder pelo partido porque não o estou representando, mas o faria como um cidadão que acompanha a política brasileira, desde as ações parlamentares até o que veicula a imprensa, mas de um lugar quase privilegiado que é o de estar envolvido diretamente com comunidades e setores organizados da sociedade civil.
O que causa estranheza é que há 520 anos que o Brasil foi invadido e, durante todo esse tempo, somente governou, entre aspas, de 2003 até meados de 2016. Digo que governou “entre aspas” porque seu governo somente se viabilizou por ter composto com mais e de uma dezenas de partidos entre esquerda, centro-esquerda e centro-direita (as duas últimas, outro eufemismo da direita). Aí sim, uma possibilidade de outra “Mea Culpa“. Não seria melhor ter saído com uma chapa “puro sangue” e ter perdido as eleições?
Mas conhecendo a realidade brasileira de um povo que morre de medo de polarização e radicalização, inclusive, por sua cultura cristã entende o mundo de forma vertical e não horizontal, o PT preferiu permanecer no erro e acreditar no consenso. Não havia um espaço para uma revolução.
Óbvio que, nesse momento, até a burguesia não fez tanta questão de ganhar a eleição. Vivia-se um momento muito tenso e em vias de uma convulsão social. Greves específicas e gerais e movimentos populares espocavam por todo o país. Muito desemprego, miséria, fome e uma média de 300 crianças com menos de dois anos de idade mortas por dia, de inanição. Até a Globo aliada teve que noticiar isso.
À burguesia, apesar de não ter investido contra, interessava a eleição de Lula do PT, acreditando que haveria uma espécie de trégua para os dominantes, para evitar essa tão temida convulsão que, obviamente, se transformaria numa barbárie, onde perderiam o controle. Ela acreditava como estratégico Lula ser eleito e, ao mesmo tempo, poder inviabilizar seu governo, criar um caos e depois voltar retomando as rédeas. Tentou impedir com a história do mensalão, não deu certo, o Lula foi reeleito e, ainda fez a Dilma sucessora e, depois, reeleita. Assim, não tiveram outra alternativa senão o golpe, porque por vias democráticas a burguesia estava falida, sem propostas verdadeiras e sem moral ou competência para assumir o poder.
Voltando a ideia de “Mea Culpa” e, retomando o tema do Brasil ter 520 anos e que o PT governou durante 13 deles, por que ninguém cobra a “Mea Culpa” dos outros 503 e todas as catástrofes e injustiças que cometeram, inclusive, com mais de 300 anos de escravidão negra assumida e institucional? Não faço nem mesmo um a exceção para os 21 anos da ditadura militar, porque os militares nunca governaram.
Eles atuaram apenas como cães adestrados para morder os que se opunham ao projeto da burguesia que, diga-se de passagem, apenas davam a continuidade de poder que já existia desde a monarquia que se instaurou em 1500, na colonização. Que diabos de “Mea Culpa” deve o PT que, para ser eleito e conseguir abrir algumas pequenas brechas para implantar projetos sociais, teve que compor com um monte de partidos que lhe garantissem a governabilidade? Por que ninguém cobra a “Mea Culpa” dos outros partidos que foram da composição que permitiram a eleição do PT?
Sem querer ser didático, numa sociedade dividida em classes, ou seja, opressora e oprimida, o estado sempre está a serviço da opressora. O máximo que os oprimidos podem fazer é tentar minar algum campo e abrir alguma brecha para realizar alguns projetos. Só para se ter uma ideia, dos 513 deputados que compõem o Congresso Nacional, 436 são homens e apenas 77 são mulheres, apesar de ser o maior número na história. E, ainda, desses 513, 385 são brancos, 104 pardos, 21 negros, 2 amarelos e 1 indígena. No Senado Federal, dos 81 eleitos são 69 homens e apenas 12 mulheres. Quanto a autodeclaração de raça: 67 brancos; 11 pardos; 3 negros.
Independente desses dados, há outros muito piores porque tanto o congresso quanto o senado são divididos em bancadas, não no sentido estrutural do parlamento, mas ideológico e de interesses privados. E dessa divisão, as bancadas mais numerosas e, por isso, poderosas, são as compostas por representantes de latifundiários, banqueiros, donos de escolas, hospitais, igrejas, etc. e, pasmem, a menor bancada é a que está em defesa dos trabalhadores. Há que se perguntar: que democracia é essa?
Por essas e outras, retomo a fala do filósofo italiano Antonio Gramsci quando diz que “Sou partidário, estou vivo, sinto já na consciência dos que estão ao meu lado o pulso da atividade da cidade futura que os do meu lado estão construindo. Nela, a cadeia social não gravita sobre alguns poucos; nada que está nela acontece por acaso, nem é produto da fatalidade, e sim obra inteligente dos cidadãos. Ninguém que está nela fica olhando da janela, passivamente, o sacrifício e a sangria dos outros. Vivo, sou partidário. Por isso odeio quem não toma partido. Odeio os indiferentes.”.
E, para terminar, afirmo que prefiro morrer de pé do que viver de joelhos.

Wilson Coêlho
Dramaturgo, Teatrólogo e Poeta
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